Vinha no ônibus chacoalhando rumo ao trabalho. Os ônibus no Rio quando
correm, o que é quase sempre, chegam a machucar a gente. Meu trajeto matutino é
desde Copacabana até a Lapa, via Praia do Flamengo. Olhar encantado pela
paisagem a partir da Enseada de Botafogo e corpo sofrendo com a sanha do
motorista lutando contra o carro que parece prestes a desmontar. Ao menos venho sentado, saio ganhando na melhor de 3. É raro alguém
puxar conversa, mas hoje uma senhora me deu alguns conselhos preciosos. Algo
simples como valorizar a saúde acima de tudo, a paz e todas aquelas coisas
meigas de vovó. Tem 85 anos e se orgulha de andar sozinha. Estava indo ao médico
por rotina e demonstrava muita alegria, sem aquela coisa de carente. Sua energia
era gostosa, envolta nos tons de rosa do seu elaborado figurino, cabelo pintado
mantendo uma vaidade dentro do razoável. Suas recomendações não me eram
inéditas, mas sabe quando voce precisa ouvir algo que, embora já saiba, reluta em se lembrar e a vida coloca alguém para
lhe dizer? Fica meio cinematográfico assim, rodeado de certa magia, a sabedoria
da idade surgindo casualmente e lhe dizendo exatamento o que voce precisa ouvir.
O mais impressionante foi a sintonia que atingimos. Sua voz era fraca e no
início eu precisei me esforçar para entender suas palavras. Valeu a pena fazer força, ela me
transmitiu paz e serenidade singulares, em dez minutos me disse muito mais do
que muitos supostos amigos conseguiram dizer em anos. Realmente preciso
reavaliar minhas companhias... A cereja do bolo foi o conselho de que sempre, ou
quase sempre, o silêncio fala mais do que qualquer palavra. O velho ditado: se a
palavra é de prata, o silêncio é de ouro! Eu, que falo pelos cotovelos e não
raro falo demais, vim quieto caminhando do ponto até o prédio feliz, bem melhor
do que antes de encontrá-la e com vontade de cultivar o silêncio. O mais
provável é que nunca mais a veja, mas sua figura terna me alimentou de
esperança e virtude. Ao se despedir me desejou que todos os meus sonhos se
realizem. Agradeço à vida por mais este anjo.
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Luxúria
A luxúria...
nunca entendi por que é considerada um pecado capital. Sempre me atraiu muito e
nela caí fundo, conheci seus porões e seus melhores aposentos. O prazer como
meta até pode ser bem acolhido de um ponto de vista romântico e um tanto míope,
imaturo. O prazer em si nem deve ser visto como pecado. O tema é complexo e
longe de mim querer esgotar o assunto, mas tive um insight que merece anotação. O problema da
luxúria não é o prazer em si, mas a postura resultante de colocá-lo acima de todo
o resto, condição que facilmente acaba por transformar tudo em egoísmo, esterilidade.
Me vicio no prazer, como numa droga ou numa paixão. A razão desaparece
gradualmente, me torno escravo dos desejos e nem percebo que jamais se saciarão.
Demora às vezes uma vida inteira para que se perceba a seriedade de tal
capricho, quando se consegue. A questão central da luxúria é que ela põe tudo a
perder, cega quem a ela se entrega. O prazer não pode ser uma constante. O
prazer e a felicidade devem ser pontuais, até para que possam guardar seu
devido valor. O lugar onde faz sol todos os dias é o deserto, inabitável.
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